Tenho verificado nos últimos meses que em Angola cada vez mais se pronuncia o “a” sobretudo na condição de artigo definido feminino, como “Á” e que não raras vezes é grafado como: “à”, “á” ou “há” e até “ah” no lamaçal das redes sociais, que parecendo que não, podem ser uma plataforma bem mais interessante do que o que possa parecer. No fundo algo como um tubo de ensaio e barómetro sócio-cultural.
Por Brandão de Pinho
Todavia se a oralidade é uma coisa, a escrita é algo de muito diferente pelo que não posso deixar passar o que ultimamente vi escrito em órgãos de comunicação social formais de Angola. Trata-se da consubstanciação gráfica do “à” para designar o artigo “a”, o que achei intrigante por toda uma miríade de razões que não tenho tempo nem espaço para explanar mas que, das quais, muito naturalmente, fará parte a influencia de alguma das nossas línguas nacionais.
Tal como disse o ilustre pseudo-linguista David Mendes, está na hora de se dar um impulso a essas línguas e nada como intoxicar a oficial com outras, ainda que nacionais, com vista a uma descaracterização maliciosa – atrevo-me a deduzir de acordo com o que o deputado da nação proferiu oficialmente.
Suponho que na fenomenologia das línguas, os neologismos sejam um sinal de pujança (duvido que no latim este fenómeno se manifeste) até porque desde há muito que oiço os angolanos pronunciando dessa forma, essa palavra, tal como brasileiros e galegos a pronunciam, ao contrário dos nativos de Portugal cada vez mais enredados nessa contraproducente tendência de fechar as vogais -fechando-se para o mundo – e tornarem assim a sua variedade de português cada vez mais ininteligível.
Desta forma aproveito para insinuar uma solução – tendo em conta que a contracção “à” com acento grave já existe – sugiro a utilização do “á” com acento agudo, ainda umbrático, que eu saiba, para traduzir graficamente a forma como é pronunciado este artigo definido feminino em Luanda, até que os académicos se pronunciem.
É curioso que aqui há atrasado, quando era um jovem desprovido de maturidade intelectual e um pouco mais nacionalista do que a medida certa, uma situação destas me causaria urticária na medida em que a entenderia como profanação ao feito mais sagrado e talvez, no limite, a única coisa de jeito feita pelos meus antepassados lusitanos, como é a língua portuguesa.
Enfermava em estado doentio quando ouvia falar com vigor, desembaraço e fluidez, o crioulo cabo-verdiano, pois temia que estes nossos irmãos acabassem por renunciar ao português como irá fazer o deputado da UNITA – e pelos vistos concomitantemente, jurista (se bem que não muito competente ao que consta) – ex-guerrilheiro David Mendes.
Estou curioso para saber em que língua franca esse agora burguês e imberbe cavalheiro, e, de certa forma, saloio, se irá exprimir na assembleia, mas posso desde já escolher-lhe um nome: Djavidwa N’mendws.
Bem perto do arquipélago de Cabo Verde, na Guiné, o povo mais jovem e iletrado vem usando um português – que quando o ouvia como que era acometido de uma síncope – assaz contaminado pelo veneno da francofonia e misturado com dialectos bantos o que não me deixava descansado quanto à sua verdadeira implementação nessa ex-colónia bastante descurada pelo antigo colonizador e que agora é uma Terra de Ninguém.
E por falar na língua francesa, se em jovem ouvisse que os cabindas no exílio estavam a usar essa língua em vez da última flor do Lácio, por uma maioria de motivos, acho que adoeceria.
Mais do que doente, fiquei furioso, quando instituíram em Portugal o mirandês – pois apesar da origem aragonesa do dialecto, ainda hoje me parece um logro – pois estavam de certa forma a dar ideias para um futuro linguarejar alentejano ou açoriano quiçá.
Doente ficava, até mesmo quando escutava qualquer rumor sobre a criação de um dicionário de italiano-crioulo e crioulo-italiano ou sobre o estudo, por exemplo, das línguas nacionais angolanas, pois daí poderiam advir línguas possantes que tornassem o português prescindível, o que não aconteceu. De certa forma nalguns casos dou um pouco de razão a JLo quando diz que em Angola se fala um português melhor do que em Portugal.
Ficava muito incomodado com a maneira como os brasileiros pronunciavam as palavras de forma tão aberta e descomplexada, mas sobretudo distinta da maneira de Portugal e de como não pareciam perceber-nos bem, e, de como uma minoria não e académica mais ignorante considerava que o idioma que falavam não era o português mas o “ brasileiro”, até que descobri que eram eles quem de facto – em termos fonéticos, não em termos de sintaxe e gramaticais – estavam certos.
E ficava em estado de choque aquando da minha juventude, que fique claro, à medida que via o galego, que mais não é, tal como o português, de uma variedade do tronco comum que é a língua galaico-portuguesa, a ser aniquilado pelos colonos imperialistas de Castela de acordo com um plano maquiavelicamente engendrado que nem Franco, apesar de natural da Galiza, travou se é que não o instigou, para obter à força um estado homogéneo em vez de uma manta de retalhos como é o estado actual do Reino de Espanha.
Mas estava-me a esquecer de uma coisa muito importante. As línguas comportam-se como organismos vivos e obedecem às mesmas leis da natureza de qualquer outro fenómeno do âmbito das ciências. Atrevo-me a fazer uma analogia entre uma língua numa determinada comunidade e uma espécie animal num dado ecossistema.
Senão vejamos. Imaginemos que numa floresta, por exemplo, devido a um tremor de terra, a montante, uma montanha cede e um rio desvia-se atravessando justamente esse território dividindo-o em duas partes. Neste caso uma população homogénea de uma espécie animal qualquer, por exemplo, seria separada evoluindo em dois ecossistemas necessariamente diferentes. Em função das características daqueles ao fim de muitas gerações – milhares de anos – essas duas comunidades seriam consideravelmente diferentes e duas diferentes espécies daí resultariam.
Neste ponto gostaria de expor alguns fragmentos da minha teoria que basicamente, em determinada medida, assenta na analogia entre a Biologia e as Ciências Linguísticas pois acredito numa matriz única, uma espécie de mão de Deus, comum a todas as ciências, mesmo as sociais e humanas.
Se na primeira por exemplo, para aferir se duas variedades ou “raças” de animais são diferentes pode ser utilizado o método da “reprodutividade”, ou seja tenta-se verificar se dois indivíduos têm mútua atracão sexual, tendo se praticam o coito, e praticando se dão origem a descendência e se dando, se essa é fértil; nas questões das Línguas o processo é similar mas não é tão evidente nem são precisos milhares de anos – uma geração basta.
Costuma-se o usar o critério de inter-inteligibilidade para salientar a proximidade entre dois idiomas, o que é algo vago pois depende muito de variados factores, sendo que por vezes os falantes de uma não entendem ou não querem entender os da outra e o oposto não se verifica como é o caso do ex-colono espanhol na dicotomia português/espanhol. Para mim este caso exemplifica o que na Biologia corresponde a uma mula.
Ou seja. Do cruzamento de um cavalo com um burra, ou melhor de um individuo equino com outro asnino apenas nasce uma mula estéril. Mas nasce algo. Algo com características tão diferentes dos progenitores que estes animais foram essenciais quer na história da humanidade, quer na globalização, quer no estreitamento de relações entre povos através do comércio. É esse o fascínio da miscigenação e a sua grande virtude. Tenho a certeza que Angola será um país melhor se incorporar forasteiros quer na sociedade, quer no seu acervo genético… e até na língua.
Já agora, mulato vem de mula, e creio tratar-se de um termo pejorativo e demonstrativo da absoluta ignorância na sua génese na medida em que quase todos somos mulatos se exceptuarmos talvez alguns pigmeus, trezentos mil islandeses e a dúzia e meia de habitantes naquela ilha Sentinela ao largo da Índia onde o “missionário” se foi martirizar.
Eu entendo que quando duas línguas ou duas variedades dialectais dentro de um território se interceptadas, só são compreendidas pelos falantes de uma, trata-se de um caso em que há um entendimento precário e estéril, pelo que estaremos na iminência de uma separação funcional a curto prazo, apesar de agora devido à tecnologia massiva e à robustez e estabilidade dos estados haver maneiras mais eficazes de fixação das línguas.
Um caso interessante e onde se demonstra a força política e administrativa que talvez contrarie essa impulsividade indomável das línguas é o que aconteceu com o surgimento do norueguês pois em poucas décadas, devido à cisão da Suécia passou a haver dois idiomas relativamente diferentes apesar de mutuamente inteligíveis, o sueco e o norueguês. Mais recentemente, há ainda um caso mais flagrante na Europa, na antiga Jugoslávia e logo após a Guerra dos Balcãs em que se falava o servo-croata como principal língua nacional; actualmente Sérvia e Croácia falam o seu aproprio idioma homónimo do seu gentílico. Creio até que no Luxemburgo, actualmente, o alemão que falavam (e falam) é denominado de luxemburguês.
Todavia a propagação ou extinção de um idioma não depende exclusivamente de decretos nem é determinada em gabinetes ministeriais o que não significa que se possa, jamais, descurá-la ou instalar-se-á o caos com consequências imprevisíveis sobretudo nestes tempos absolutamente desregulados em que as pessoas não lêm livros; têm um léxico muito inferior a um pastor analfabeto dos anos trinta perdido nos mais recônditos cantos do éden transmontano, por exemplo; e uma sintaxe de uma criança de seis anos.
O leitor sabia que os gregos quando se livraram do jugo otomano reuniram um conselho de sábios para em relação às palavras de origem turca, helenizar umas e abolir outras? E foram bem sucedidos.
A língua e a linguagem são tão extraordinárias e tão visceralmente coadunadas ao ser humano que qualquer um pode discorrer sobre elas mesmo não sendo um estudioso como é o meu caso e não há pensamento mais básico ou sentimento ainda que inato que não seja apreendido pela nossa consciência sem o recurso às palavras e à linguagem.
Estou mesmo convencido que quanto mais uma determinada língua é rica em expressões, vocabulário, etecetera, específicos para uma hipotética descrição de uma situação, como seria a seguinte: “ acto de invectivar e criticar néscios e instigadores do ódio”; e, se para além de rica tiver tantos mais graus conforme a gravidade do caso – como exemplo algumas tribos da Papua (onde coexistem largas centenas de línguas) que têm, por exemplo, dezenas de adjectivos para aferir e gradar o estado de maturação de um fruto numa simbiose perfeita com a natureza e a sua própria natureza -; estou convencido então, dizia, que quanto mais destes recursos tiver, tanto mais fácil seria o processo de analisar as declarações do deputado David Mendes de forma assertiva o que nos pouparia a maçada de perceber o quão ridículo e ignorante é, ou pelo menos o quão ridículo esteve pelo que disse de forma vil, grotesca e básica, em plena assembleia, denegrindo um partido honrado como é o caso da UNITA.
Resumindo. Felizmente o Dr. David Mendes tal como nós no Folha 8, e Angola falamos, pensamos e sonhamos em português e graças a esta língua, ao contrário do francês e do inglês que também colonizaram África, podemos exprimir subtilezas de grande valor como aquelas assentes nos significados dicotómicos do verbo “Ser” e “Estar” o que em última análise lhe dá o beneficio da dúvida, pois entre ser ignorante e ridículo, e, estar momentaneamente a ter um comportamento ridículo e ignorante, há toda uma diferença que noutras línguas não poderia ser ilustrada.
Relativamente aos comentários anteriores tenho alguma curiosidade em perceber o que o leitor denominado de Bordão quis dizer exactamente sobretudo com o adverbio legitimamente. na verdade quando há crianças a morrer de fome tudo o resto é supérfluo apesar de parecer uma afirmação demagógica pelo que as palavras do dr. Mendes em nada contribuem para resolver esse problema pois sei que a incipiente extrema-direita portuguesa usou essa afirmação para a sua propaganda e como é natural apesar de vozes de burro não chegarem aos céus haverá sempre algum dano… mas não para os burgueses.
E verdade. A origem leonesa e asturiana do mirandês. Foi um lapso que não pensei que fosse notado pelo que não pedi para corrigir o que duvido que pudesse ser feito. Depois de publicado, e as vezes a pressa, cada um tem que assumir o que faz. Como não recorro a ajudas quando escrevo ha sempre o risco de incorrer em erros. Mas o erro é a força motriz para a instauração da dialéctica que conduz à sabedoria. Mas que fique registrado que para além desse há mais maia duzia de coisas passíveis de correção. Bom natal meu caro. E perdão pela falta de assentos e outros neste cometário. Mas estou ocupado.
Os portugueses fizeram ao longo da sua história muitas coisas de jeito, para além do seu doce idioma. Foram grandes na Idade Média, construíram um país lindíssimo, cheio de monumentos e possuem uma cultura riquíssima, admirada e considerada a nível mundial. Com reparos e censura não pode esquecer-se a Epopeia Portuguesa. E também fundou belas cidades no Brasil e em África, como Luanda ou Maputo (ex-Lourenço Marques), entre muitas, algumas situadas em território angolano. Portugal é um país de boa gente laboriosa, inserido no contexto das nações e prestigiado. Uma última nota: o mirandês não provém do aragonês, antes do asturo-leonês. Aliás, as Terras de Miranda, anteriormente à fundação da nacionalidade portuguesa eram administradas pelo Reino de Leão. Aragão, cuja capital é Saragoça, era um Reino Peninsular, que se fundiu com Castela pelo casamento dos Reis Católicos, Isabel Fernando. Em Aragão falava-se e fala-se, em certas zonas, o aragonês, bem como o castelhano.
Mais um que legitimamente continua incomodado com o David Mendes, sabe-se porquê.